Parte 2 - A Ascensão


Minha vida já estava conturbada mentalmente. Minha mãe tinha falecido, minha irmã teve que seguir o rumo dela na cidade em qual morava, meu irmão trabalhava direto e meu pai precisava reviver. De certa forma  meus problemas familiares afetaram minha conduta no colégio. Eu estava na quinta série, turma que é a menor do colégio, na maioria dos termos. Eu queria fazer amigos, mas não tinha chances, ainda mais quando os pré-adolescentes estão vivendo a fase de tribos (grupinhos). As patricinhas ficavam de um lado, os mauricinhos de outro, os nerds não se misturavam, os repetentes (como eu me intimido com essas pessoas) comandavam a sala, mandavam, desmandavam e ameaçavam. Eu bem que tentei me enturmar, mas as duas meninas mais próximas de mim tiveram que seguir outro caminho; uma foi embora da cidade e a outra foi para o turno da tarde. Me restou ser amigo de um menino tímido que tinha medo de se expressar e uma menina que não sorria quase nunca, ou seja, eu estava entre os esquecidos e oprimidos da turma. Não seria popular de forma alguma ali.


E sim, mesmo na quinta série tinha os populares da sala, que se achavam no direito de esnobar todos os que não tinham o mesmo perfil que eles. Sendo assim, aqueles que não tinham roupas de marca ou que pegavam geral (aquilo nem era pegar geral, era dar um beijo de língua e se sentir o máximo, crianças... criança que - talvez, infelizmente - eu nunca fui) eram excluídos. Então preferia ser invisível, não participava de nada que a maioria da turma. As piadinhas começaram. Eu ouvia as pessoas cochichando, me xingando no meio do corredor, na quadra de esporte, se referindo a mim com apelidos pejorativos. Eu não podia revidar. Na maioria das vezes eles eram maiores que eu, tinham mais amigos e podiam unir-se para me agredir. Ou seja, aquelas pessoas poderiam destruir a minha mente, podiam falar o que quiser, se referir como quisessem e humilhar o quando pudessem e quisessem. Pra eles não teria punição, só para o meu psicológico.

Ainda na quinta série tinha um menino muito chato que estudava comigo. Ele também sofria bullying, pois tinha um jeito afeminado, mas não se calava, brigava com todos que o ofendiam. Eu não me dava bem com ele, pois ele sempre mentia sobre algo e isso me irritava (algo que não citei é que no ultimo dia de minha mãe no hospital, uma pessoa da minha família - que eu prefiro não citar - disse que ela estava melhor. No dia seguinte ela faleceu. Levei aquilo como mentira, mesmo sabendo que talvez a pessoa quis me poupar de algo). Todos criticavam aquele menino, até eu fiz isso. Fui ruim em fazer isso, pois eu estava fazendo o que fizeram comigo. Eu também estava sendo um monstro naquele momento. Estava sendo um babaca, sim. Achando que causando aquilo com o outro menino, fariam mais comigo o mesmo, ou estava descontando nele. Estava tentando entrar na onda dos "pop", estava usando um comportamento hostil e ridículo. Aquele menino conseguiu um amigo só, um amigo que ele maltratava também. Aquele ano não tinha sido tão ruim.

Pronto, ao ano acabou e eu tinha passado de ano e estava lidando com o fato do meu pai estar tendo uma namorada, que na minha mente era uma substituta. Odiava essa ideia, mas passei a engolir, assim como os insultos no colégio. Quando eu voltei para o colégio, na sexta série, eu estava cabeludo e gostava de usar preto. Logo me chamavam de EMO e tive que enfrentar mais alguém se implicando com a minha postura. Tinha um garoto alto, brutamontes que de cara me odiou. Me xingava de todo o tipo de coisas referentes ao homossexualismo, eu não podia revidar, pois ele me intimidava, dizia que iria me agredir. Todo dia era a mesma coisa, ele me xingava e eu tinha que me calar. Quando quis revidar um menino que me xingou, ele reuniu um bando de amigos e me ameaçou, disse que iria me bater após a saída. Entrei em desespero, era só eu contra uns cinco, mas um dos amigos deles que estudava comigo o convenceu para não prosseguir com a agressão. Com isso, eu sabia que teria que aceitar tudo calado.

Minha vida estava uma droga. Eu era xingado a todo o momento, as pessoas não se importavam com meu caráter, mas sim com o que eu aparentava ser. Nunca quis dizer nada para minha família e não gostava de sair. Preferia ficar em casa comendo e dormindo, não queria me expor às pessoas, tinha medo de ser ridicularizado por elas. Criei asco as pessoas e pra mim estava bom ficar em casa, com a minha simples companhia ou com a de alguns familiares. Na minha mente, se eu fosse para a rua todos iriam rir de mim ou me xingar. Pra mim as pessoas já tinham uma opinião ruim formada sobre minha pessoa e iriam me destruir, queria evitar isto. Então, passava a tarde dentro da minha casa ou no meu imenso quintal, rodeado por muros de 2,10 metros de altura e um portão todo fechado. Eu me adaptei a minha prisão, mas os criminosos estavam lá fora, a vítima é quem estava presa. Ali era e é meu território, é o lugar em que ninguém podia me desrespeitar. Eu era dono daquilo tudo, nossa que incrível (sarcasticamente). Outra ameaça que não me deixava sair de casa era o menino da esquina, o mesmo menino que reuniu os amigos para me bater. Me lembro que quando eu passava frente a casa dos avós dele, que fica na esquina da minha casa, ele me xingava e dizia que ia me bater. Ele saia pra rua e ia atrás de mim, mas eu sempre corria. Muitas vezes tinha que dar a volta no quarteirão para não passar por frente a casa que ele estava. Nunca contei ao meu pai, caso contrário ele iria na casa do menino, e esse menino poderia me bater no colégio. Eu estava vivendo um filme de terror. Isso durou um bom tempo.

No fim de 2009 minha irmã, o marido dela e o filho dela foram morar comigo e meu pai. Meu irmão morava na casa da frente, pois já estava casado e formando sua família.  Em família as coisas começaram a desandar. Eu e meu sobrinho tínhamos brigas constantes. Um queria mais atenção que o outro, os dois tinham seus traumas. Acreditem, meu sobrinho teve fortes traumas desde criança. Além de brigar com meu sobrinho, brigava com minha irmã e meu cunhado. Talvez eu estava descontando tudo que eu vivia no colégio sobre eles.

Fiz amigos no colégio, todos eram excluídos de uma certa forma e outros eu já estudava. A pessoa que eu mais me aproximei foi uma menina que tinha estudado comigo na primeira série. Ela era muito engraçada e falava palavrões para zoar. Era briguenta e atazanava a vida dos professores, mas ela foi mudando. Éramos muito próximos e conversávamos sobre tudo. Ela foi uma parte importante para mim reascender a minha rebeldia contra os outros. Mas mesmo tendo alguém que me ajudou a reviver emocionalmente, em parte, eu não queria mais existir.

Pra mim seria mais fácil deixar de existir, pois assim deixaria de ouvir xingamentos e criticas. Simplesmente não existiria mais. Meu pai poderia se casar com outra mulher e criar uma nova família, meus irmãos já estavam formando a deles. Sempre achei que não faria falta e seria menos dolorido morrer a sair na rua e ser xingado. Tentei algumas formas de suicídio. Uma vez tomei remédios a mais e outras tentei o enforcamento. Nunca consegui completar meu suicídio. Minha fé em Deus me ajudava. Acreditava que iria pro inferno e minha família poderia sofrer com isso. Eu era fraco ou forte para não me matar.

O que restava a mim para me enquadrar no molde era emagrecer, independentemente da forma que eu teria que fazer isso ou se teria consequências...

***
Algumas vezes queremos entrar no padrão do estereótipo. Queremos ser aceito de alguma forma e para isso algumas nos espelhamos naquelas pessoas que comentem o bullying contra nós. Humilhar alguém e falar igual os outros não o fará igual, apenas o fará uma figura ridícula de representação do que no fundo você tem repúdio. Infelizmente, algumas vezes atuei no Comportamento Representação (tenho um texto sobre isso, futuramente postarei). Mas não era completamente feliz, estava me enganado.

Quando fazem da sua cabeça um monumento frio e calculista, você perde a vontade de conviver com pessoas e perde a vontade de enxergar a vida pelo lado positivo. Quem comete bullying sempre irá cutucar na ferida que mais o machuca, para disfarçar alguma imperfeição em si mesmo.

Turma, na próxima conto o que fiz para emagrecer e o que isso me causou.


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